Por Marcelo Godoy
Ainda assim, em 2011 o
governo gastou mais de R$ 20 bilhões no tratamento de pacientes com doenças
relacionadas ao cigarro. O valor equivale a 30% do orçamento do Sistema Único
de Saúde daquele ano e é 3,5 vezes maior do que a Receita Federal arrecadou com
produtos derivados do tabaco no mesmo período.
O Brasil perde 7,3% do
Produto Interno Bruto (PIB) em decorrência de problemas relacionados ao álcool.
O custo do uso abusivo de bebida alcoólica atingiu, em 2014, algo como R$ 372
bilhões.
Todo ano, motoristas
embriagados matam 50.000 pessoas. As vítimas de traumatismo chegam a 500 mil
pessoas. A maioria dos feridos são levados para um pronto-socorro público. Os
planos de saúde não devolvem nada ao SUS. Quem paga a conta dos feridos e
mutilados é o cidadão, com seus impostos.
Dilma enviou um
orçamento com previsão de déficit de R$ 30,5 bilhões, o que corresponde a 0,5%
do produto interno bruto do país, e pediu ajuda ao Congresso para que encontrem
saídas juntos.
O governo precisa
cortar sem dó seus excessos e fazer muitos ajustes, mas é importante que, assim
como a corrupção, certos comportamentos não sejam mais tolerados.
Por que aumentar
impostos da população e cortar certos benefícios sociais se existem alternativas
que podem beneficiar a todas as classes sociais?
Fazendo uma conta
rápida, dá para ver onde economizar bilhões, salvar milhares de vidas e ainda
ter um bom troco para investir em prevenção e educação, assim como aconteceu
com o cigarro.
Os dois maiores
adversários de uma decisão corajosa e responsável do Congresso para evitar o
desperdício inestimável de vidas e de dinheiro são, pela ordem: o modelo de
financiamento de campanhas eleitorais e o regime de concessão de rádio e TV.
No primeiro caso,
várias carretas lotadas com R$ 242 milhões foram entregues pela indústria de
bebidas para 76 deputados de 16 partidos nas últimas eleições.
Somente Eduardo Cunha,
presidente da Câmara dos Deputados, recebeu sozinho um caminhãozinho com mais de
1 milhão de uma empresa da Ambev.
O financiamento de
campanhas de políticos deixa evidente que os interesses de algumas empresas são
opostos aos interesses da população e do país.
No segundo caso, a
indústria de bebidas despeja anualmente mais de 4 bilhões de reais em
publicidade em emissoras de rádio e TV e estima-se que mais de 80 senadores e
deputados possuem centenas de concessões de rádio e TV espalhadas em todo pais.
Os congressistas são parte deste negócio bilionário.
O Ministério da Saúde,
a OMS (Organização Mundial de Saúde) e centenas de organizações não
governamentais são radicalmente contra qualquer publicidade de cerveja na TV.
A opinião pública,
diferentemente do que aconteceu com o cigarro, ainda não está ciente da relação
direta entre a publicidade de cerveja e as tragédias urbanas com acidentes de
carros, especialmente com os jovens.
As grandes empresas de
comunicação silenciam sobre este tema. Há, inclusive, a regra interna de uma
grande emissora de TV de jamais mostrar latas de cerveja em reportagens a
respeito de acidentes automobilísticos.
A ABERT, Associação
Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, atua fortemente para manter seu
território, as agências de publicidade lucram com as comissões das emissoras e
o Conar, Conselho Nacional de Auto Regulamentação Publicitária, que reúne
empresários de comunicação, alega que qualquer restrição a publicidade de
bebidas seria “bullying” da liberdade de expressão (sic).
A consequência do atual
estado de coisas é que as empresas de bebidas e de mídia ampliam seus lucros
enquanto os cidadãos ficam com o ônus dos problemas de saúde e pagam sozinhos
uma conta cada vez mais alta, em todos os sentidos.
Cada um faz suas
escolhas, não se está discutindo no Congresso o direito de beber ou fumar, nem
proibir seu uso. Mas estimular o consumo de álcool, da forma como a publicidade
faz na TV e no rádio, não falar abertamente sobre isso e nem tentar impedir esta
epidemia de mortes, é uma covardia sem fim e uma falta de amor ao próximo —
além de não ajudar em nada a economia do país.
*Marcelo Godoy é Editor
chefe, roteirista e apresentador do Programa Clique Ligue da TVT