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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Rua Marquês do Paraná, 10h

Vivemos juntos assim, compartilhando a vida e as tristezas", diz Eraldo Teixeira da Silva
Foto:Luiz Pessoa
Olá, bom dia.

- Bom dia, amigo, no que podemos lhe ajudar?

- Eu gostaria de escrever uma história sobre vocês.

- Senta aí que eu vou te dizer. Meu nome é Eraldo Teixeira da Silva. Esta daqui é minha amiga Janaína Rosa e Silva Cavalcanti. Somos companheiros de rua desde 1987. Antes que a gente se conhecesse, eu trabalhava no cais, vendendo fruta, morava por lá mesmo, dormia no barraco de frutas, o dono morreu e eu fiquei sem ter pra onde ir. Comecei a juntar coisas e fiz um barraco na vila imperial. Foi aí onde conheci Janaína; ela tinha um barraquinho e me ajudou a construir o meu; eu morei no barraco dela antes de terminar o meu. 

No início do governo de João da Costa, foi mandado derrubar e desapropriar todo mundo que morava do lado do Espinheiro do viaduto, era onde estava o meu barraco. Pegaram tudo o que era meu e colocaram num quarto de pensão ali na Rua da Glória. Metade das minhas coisas foram extraviadas, de fogão a armário e roupas, mesmo assim o quarto de pensão que me botaram era tão pequeno que tudo que era meu encheu o quarto de uma maneira que eu não conseguia espaço nem pra dormir nem pra andar; deixei minhas coisas lá e fui morar com Janaína no barraco dela. Depois que ficou vazio o viaduto do lado do Espinheiro, os viciados em crack começaram a rondar a área e uma noite levaram tudo que nós tinhamos no barraco de Janaína, foi uma tristeza só, rapaz. Daí fui na prefeitura cadastrar nossos nomes no Auxílio Moradia, Janaína foi conseguindo suas coisinhas de volta trabalhando em casas de família, e fomos reconstruindo nossa vida. 

Um dia fui pegar umas coisas lá na Rua da Glória, e tinham mexido em tudo, me roubaram muita coisa novamente, foi triste, mas também não me fez muita falta; já estava me organizando com Janaína no seu barraco; eu protegia ela e ela me abrigava. Um dia no início do governo de Eduardo Campos, mandaram desapropriar tudo que estava no outro lado da Vila Imperial, e derrubaram tudo, inclusive o “nosso” barraco, mais uma vez estávamos sem moradia, e fui na prefeitura de novo, consegui desta vez o Auxilio Moradia e me deram um quarto de pensão um pouco maior, mas Janaína não conseguiu, daí peguei todas as coisas dela e as minhas e coloquei tudo neste quarto que a prefeitura nos deu na Soledade. 

Como não dá pra nós morarmos juntos lá porque realmente não tem espaço nem pra andar, nem pra cozinhar nem pra viver, viemos juntos pra rua, e vivemos juntos assim, compartilhando a vida e as tristezas, mas sempre juntos. Nós só temos a agradecer você por esta conversa. 

Eraldo Teixeira da Silva, 63 anos, ex-vendedor.
Janaína Rosa e Silva Cavalcanti, 53 anos, ex-empregada doméstica.


SOBRE A SIGA A RUA
O submundo que nos rodeia é algo que passa desapercebido por muitos. O intuito desta coluna é mudar essa perspectiva. O universo da rua é algo prolixo e controverso, das belezas arquitetônicas erguidas às histórias pessoais mais diversas, de amor, ódio, desprezo, loucura e desapego.

Tenho conversado com pessoas que retratam narrativamente essa vida sofrida e extraio dessas conversas seus pontos cruciais de externação sobre estas experiências, às vezes tão sórdidas e amargas, que me remetem a uma reflexão interna. É isso que quero trazer; uma contemplação de uma realidade dura e crua que nos fortaleça mediante às adversidades.

Os textos que posto a seguir são verídicos, histórias narradas e gravadas que uso como base para a minha pesquisa. Muitos são abordados por curiosidade e empatia, outros quase que ao acaso. Não escrevo conclusões por achar que o leitor sentirá a necessidade de fazer por si próprio. Agradeço a todos que lerem e se sentirem atraídos pela proposta deste veículo e, se se sentir à vontade, utilize a hashtag #sigaarua nas redes sociais, para que possamos disseminar esse conteúdo e que todos vejam a realidade que nos circunda e continua, até então, invisível.
Extraído do ENE10 

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