Lição de vida
Por Tais Luso
Moro num lugar alegre e arborizado, e mesmo assim faz parte
da minha vizinhança um dos maiores hospitais da América do Sul. Onde moro
tenho, de graça, fatos e fotos que só me acrescentam: tenho aulas sobre
valores, atitudes, solidariedade, metas, realidade, futilidades, sonhos
desfeitos... Tudo me é dado de graça: uma amostra do muito e do pouco que posso
ser como pessoa.
Desço e vejo uma criança paraplégica, com a mãe ao lado,
cobrindo seu filho de carinho, e que dependerá a vida toda de alguém. Ela me olha
e eu baixo a cabeça. Senti-me constrangida, não pelo fato em si, mas pelo seu
sofrimento presente e futuro. Por saber que aquela 'dor' será para sempre.
Evitei de falar com os olhos.
Vejo pessoas idosas, já na última instância de suas vidas
nostálgicas e sem sonhos, apenas esperando... Vejo gente lutando para
sobreviver, clamando por mais um tempinho de vida; vejo, nas minhas andanças -
perto do hospital -, crianças saindo da quimioterapia, gente acompanhando seus
doentes. Tenho essas amostras, de luta pela vida, todos os dias. Tenho sempre o
que aprender dia-após-dia. E isso, sem querer, vai me dando outra visão das
coisas, da vida e das pessoas. E posso traçar parâmetros para mim. Isso faz com
que eu dê valor unicamente ao que tem valor.
Saio de uma realidade e vejo a outra: gente discutindo e se
incomodando por um armário de cozinha que ficou com um tom acima do idealizado,
dando um valor excessivo à matéria. Vejo gente falando do pedigree de seus cães
querendo desmerecer os outros animais; vejo gente que se descuida em ser mais
ética; vejo brigas enormes em inventários, com pessoas achando que estão sendo
logradas; pego o carro e vejo pessoas discutindo porque o outro fez uma manobra
infeliz. Vejo de tudo um pouco. E aí lembro do hospital, meu vizinho.
Acho que não há melhor escola do que a minha e procuro nunca faltar às aulas... Não quero
repetir certas matérias.
Só não aprendi, ainda, a lidar com a dor física sem chorar
muito e achar-me injustiçada. Nenhum ser deveria passar por dor física e, muito
menos ser submetido à tortura.
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