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quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Olhar jurídico

Por via inconstitucional Moro quer prender mais rapidamente na Lava-Jato 
Por Luiz Flávio 

O juiz Sérgio Moro defendeu (em Porto Alegre, dia 10/8/15), para “aumentar a efetividade do Judiciário”, duas teses: (a) a implantação no Brasil do sistema de negociação criminal rápida dos EUA (chamada tecnicamente de plea bargaining); “deveríamos introduzir no nosso País o instituto da admissão da culpa” (guilty), que resolve mais de 80% dos crimes nos EUA, evitando-se a abertura do processo criminal; (b) “O condenado [em primeiro grau] [deveria] responder a eventuais recursos já na prisão”.
De trás para frente: a segunda tese é absolutamente inconstitucional e inconvencional. Ou seja: é juridicamente indefensável. Moro quer que logo após a sentença de primeiro grau o réu já seja automaticamente preso. Até parece que os juízes de primeiro grau não cometem erros. Até parece que o direito vigente não garante a todos os réus no campo criminal dois graus de jurisdição (duplo grau – previsto no art. 8º, 2, h, da Convenção Americana de Direitos Humanos e ratificado pela Corte Interamericana respectiva).
Sobre esse controvertido tema existem duas posições extremadas (ambas refutáveis): (a) a do juiz Moro, que sustenta a necessidade da prisão imediata, enquanto o réu aguarda o resultado do recurso (prisão automática após a sentença); (b) a do STF, que diz que somente após o trânsito em julgado final da sentença (após esgotados todos os recursos, incluindo o Especial e o Extraordinário) é que é possível executá-la (STF HC 84.078-MG). Os dois extremos são juridicamente insustentáveis.
Nossa posição é intermediária e segue a tese do ex-ministro Peluzo no sentido de já se permitir a execução imediata da sentença penal condenatória após o segundo grau de jurisdição, que é direito constitucional e convencional. Que fique bem claro: o que acaba de ser dito não tem nada a ver com a prisão preventiva, que permite a privação da liberdade de qualquer suspeito ou acusado ou réu, em qualquer momento da investigação ou do processo, quando presentes os motivos da prisão preventiva (réu destruindo provas ou ameaçando testemunhas, vendendo tudo para fugir do país etc.).
A outra tese do juiz Moro diz respeito à implantação no Brasil da Justiça criminal negociada dos EUA, de que cuidamos no nosso livro Organizações Criminosas(JusPodivm). Já a experimentou os pastores da Igreja Renascer e, em breve, será a vez de José Maria Marin, ex-presidente da CBF. Pergunta-se ao réu se ele é culpado (guilty) ou inocente (not guilty). Se o réu se declara culpado já se discute em seguida o tamanho da pena, evitando-se, com isso, o processo criminal.
O sistema norte-americano não se identifica com os nossos juizados criminais(onde o réu faz acordo – transação penal -, mas não assume nenhuma culpa – esse é o sistema do nolo contendere), tampouco com a delação premiada (disciplinada na Lei 12.850/13) porque, aqui, tudo que é delatado tem que ser devidamente provado dentro do devido processo legal. É o que está acontecendo nos processos criminais da Lava Jato. A necessidade de reunir provas sobre a culpabilidade do réu (não bastando apenas a delação) é da tradição da Justiça europeia continental (que é muito diferente do clássico sistema anglo-saxônico, que emigrou do Reino Unido para os EUA).
Duas decisões recentes são marcantes no sentido da necessidade de se provar a culpabilidadedo réu (mesmo depois da delação): uma da Corte Constitucional alemã (BVerfG, de 19/3/13) e outra do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (de 29/4/14, caso Natsulishvili), que tem servido de guia para as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Considerando as semelhanças (e coincidências fundacionais) do sistema constitucional brasileiro com o europeu continental, é de se supor que o Supremo Tribunal Federal (máxima Corte do nosso País) não convalidaria a introdução no Brasil do sistema norte-americano da guilty plea (ou plea bargaining). Em síntese, as duas teses do juiz Moro encontram obstáculos constitucionais e internacionais incontornáveis.
Há, no entanto, um terceiro caminho (que poderia iluminar a discussão): é o instituto da conformidade (previsto de forma genérica no direito processual espanhol), que pressupõe o devido processo legal (colheita das provas), conformando-se o réu (depois das necessárias negociações) com as penas propostas pela acusação (Ministério Público). Tudo isso acontece na fase das alegações finais. O juiz, nesse caso, homologa o acordo (se proporcional e se foi firmado voluntariamente pelo réu na presença do seu advogado), reconhece a culpabilidade do réu na sentença condenatória (conforme as provas do processo), iniciando-se em seguida a execução da condenação, sem mais discussões judiciais (o réu se conforma com as penas propostas, regime de cumprimento, restituições e indenizações devidas, abrindo mão de qualquer discussão posterior).
Com isso, encerra-se prontamente o processo (tendo em vista o acordo firmado entre as partes, depois de produzidas as provas com as garantias processuais e constitucionais).
Luiz Flávio Gomes é Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

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