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segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Crônicas do cotidiano

Como nasceu o Poema Pasárgada - de M. Bandeira


* Tais Luso 
Vou-me embora pra Pasárgada” foi o poema de mais longa gestação da obra de Manuel Bandeira. Conta ele, que viu pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha 16 anos, e foi num autor grego. Pensava ter sido em Xenofonte, mas vasculhou duas ou três vezes a Ciropédia e não encontrou a passagem. O douto Frei Damião Berge informou-lhe que Estrabão e Arriano (autores que nunca leu), falaram na famosa cidade fundada por Ciro - o antigo - no local preciso em que vencera Astíages.

Ficava a sueste de Persépolis. Esse nome de Parságada, que significa 'Campo dosPersas', suscitou na imaginação de Manuel Bandeira uma paisagem maravilhosa, um país de delícias, como o de L' Invitation au Voyage, de Baudelaire. Mas vinte anos depois, quando ele morava na rua do Curvelo, num momento de muito desânimo, da mais aguda sensação de tudo o que não tinha feito em sua vida por motivo de doença (tinha tuberculose), saltou-lhe de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou me embora pra Parságada”.

Sentiu na redondilha a primeira célula de um poema e tentou realizá-lo, mas fracassou. Naquele tempo já não forçava a mão. Abandonou a ideia. Alguns anos depois, em idênticas circunstâncias de desalento e tédio ocorreu-lhe o mesmo desabafo de evasão da 'vida besta'Desta vez o poema saiu sem esforço, como se já estivesse pronto dentro dele.

'Gosto desse poema porque vejo nele, em escorço, toda a minha vida, e também porque parece que nele soube transmitir a tantas outras pessoas a visão e promessa da minha adolescência – essa Parságada onde podemos viver pelo sonho o que a vida madrasta não nos quis dar. Não sou arquiteto, como meu pai desejava, não fiz nenhuma casa, mas reconstruí, e não como uma forma imperfeita neste mundo de aparências, uma cidade ilustre, que hoje não é mais a Parságada de Ciro, e sim a minha Parságada'.

       
      Vou-me embora pra Pasárgada


      Vou-me embora pra Pasárgada
       Lá sou amigo do rei
       Lá tenho a mulher que eu quero
       Na cama que escolherei
       Vou-me embora pra Pasárgada

       Vou-me embora pra Pasárgada
       Aqui eu não sou feliz
       Lá a existência é uma aventura
       De tal modo inconsequente
       Que Joana a Louca de Espanha
       Rainha e falsa demente
       Vem a ser contraparente
       Da nora que nunca tive

       E como farei ginástica
       Andarei de bicicleta
       Montarei em burro brabo
       Subirei no pau-de-sebo
       Tomarei banhos de mar!
       E quando estiver cansado
       Deito na beira do rio
       Mando chamar a mãe-d'água
       Pra me contar as histórias
       Que no tempo de eu menino
       Rosa vinha me contar
       Vou-me embora pra Pasárgada

       Em Pasárgada tem tudo
       É outra civilização
       Tem um processo seguro
       De impedir a concepção
       Tem telefone automático
       Tem alcaloide à vontade
       Tem prostitutas bonitas
       Para a gente namorar

       E quando eu estiver mais triste
       Mas triste de não ter jeito
       Quando de noite me der
       Vontade de me matar
       — Lá sou amigo do rei —
       Terei a mulher que eu quero
       Na cama que escolherei
       Vou-me embora pra Pasárgada.

       Uma Antologia Poética L&PM Pocket pág 89.

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