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quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Doações empresariais e caixa 2 (“mundo de ladroeiras”)

Por Luiz Flávio

Gilmar Mendes disse: “Se for proibida a doação empresarial, o Brasil será um amontoado de caixa dois”. Na verdade, sempre foi (veja o livro Nobre deputado,Marlon Reis; veja João Francisco Lisboa, Jornal de Timon). E a prestação de contas junto à Justiça Eleitoral sempre foi também “um faz de conta” (como disse o mesmo ministro). Enquanto não reconhecermos que o Brasil se transformou numa grande mafiocracia (“um mundo de ladroeiras”, diria o autor da Arte de furtar), que tem a conivência de muitas autoridades (mancomunadas com o sistema de La Cosa Nostra), não vamos nunca achar uma saída racional para o problema.

Essa deplorável criminalidade dos donos do poder, que deveriam dar o exemplo, não conspurcá-lo, para além da necessidade de ser combatida duramente (dentro do Estado de Direito), será certamente menor do que é hoje, um sistema completamente corrompido, onde as elites do poder (econômico e financeiro) “compram” os mandatos dos políticos (mediante o financiamento das suas campanhas), com a conivência de praticamente todos os poderes, sequestrando a silhueta de redemocracia que inauguramos em 1985. Já são 30 anos de redemocratização, ou seja, de contínua ladroagem do dinheiro público. O cego menos aventurado é o que não quer ver a realidade.

Depois da Operação Lava Jato (sobretudo), não há mais como negar que nossa fantasiosa democracia (puramente formal, eleitoral; restando-lhe pouco da democracia cidadã), ao longo dos anos, foi se transformando numa nefasta mafiocracia (não havendo outro invólucro melhor para exprimir tão deprimente conteúdo). Alguns podem se escandalizar, sobretudo os que chafurdam nessa enlameada e venal mafiocracia, queixando-se de que todos são colocados no mesmo lamaçal sem a prova final dos delitos apontados. Sim, como dizia o autor do livro Arte de furtar (p. 52), “não há regra sem exceção. Mas, meta cada um a mão em sua consciência e achará a prova do que digo: que este mundo é uma ladroeira ou feira da ladra, em que todos [das bandas podres] chatinam [negociam] interesses, créditos, honras, vaidades”.

A faxina necessária dessa venalização do mal passa pelo reconhecimento da inconstitucionalidade das doações empresariais “legais” para candidatos. No STF já são 6 votos nesse sentido. O mais pronto possível, para se iniciar a moralização do processo eleitoral brasileiro, impõe-se aniquilar essa possibilidade de doação empresarial, que se converteu, diga-se de passagem, em veículo de lavagem das propinas da Petrobras (nesse sentido veja o depoimento do empresário-colarinho branco Augusto Ribeiro Mendonça, do grupo Setal: “Foram feitas doações oficiais ao PT a pedido de Renato Duque”, que era o homem de José Dirceu dentro do esquema).

Ricardo Pessoa (da UTC) confirmou a mesma coisa (fez doações que ocultavam a propina. Ou seja: usaram a Justiça Eleitoral para promover a lavagem de capitais sujos). “Todo criminoso deve ter os seus direitos humanos garantidos. Mas nenhum sistema legal pode servir como garantia da impunidade do crime” (José Genoíno).

Os que de forma muito melhor poderiam gerir o poder público o odeiam. Falta-lhes a paixão pelas coisas comunidade, paixão essa que sobra nas piores pessoas encarregadas de cuidarem daquilo que é de todos. A corrupção no Brasil se converteu numa loteria sem os riscos do azar ou da sorte. De cada dez apostas se ganha nove. Com enorme chance de que tudo fique impune. 

Todos os escândalos que aparecem não são senão a ponta de um iceberg, que constitui risco concreto de fazer sucumbir a democracia, já na iminência de se transformar numa oclocracia, que é a interferência das massas rebeladas irracionais na vida pública (não pelas formas ortodoxas, certamente).
Futuro sombrio. A Itália quando passou por um processo de depuração da vida pública (Operação Mãos Limpas) acabou se encontrando com um mau-caráter, chamado Silvio Berlusconi. Essa eventualidade não pode ser descartada do nosso horizonte: em todos os Titanics que estão afundando sempre existem os tiranetes (pequenos ditadores) que apenas aguardam o momento certo para a elevação por meio de aclamação popular. O povo, historicamente, sempre desejou heróis que o substituísse na árdua e pesada tarefa de carregar sobre os ombros os princípios da ética e da moral.

Luiz Flávio Gomes é professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

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