Por Luiz Flávio
Gilmar Mendes disse: “Se for proibida a doação empresarial, o Brasil
será um amontoado de caixa dois”. Na verdade, sempre foi (veja o livro Nobre
deputado,Marlon Reis; veja João Francisco Lisboa, Jornal de Timon). E a
prestação de contas junto à Justiça Eleitoral sempre foi também “um faz de
conta” (como disse o mesmo ministro). Enquanto não reconhecermos que o Brasil
se transformou numa grande mafiocracia (“um mundo de ladroeiras”, diria o autor
da Arte de furtar), que tem a conivência de muitas autoridades (mancomunadas
com o sistema de La Cosa Nostra), não vamos nunca achar uma saída racional para
o problema.
Essa deplorável criminalidade dos donos do poder, que deveriam dar o
exemplo, não conspurcá-lo, para além da necessidade de ser combatida duramente
(dentro do Estado de Direito), será certamente menor do que é hoje, um sistema
completamente corrompido, onde as elites do poder (econômico e financeiro)
“compram” os mandatos dos políticos (mediante o financiamento das suas
campanhas), com a conivência de praticamente todos os poderes, sequestrando a
silhueta de redemocracia que inauguramos em 1985. Já são 30 anos de
redemocratização, ou seja, de contínua ladroagem do dinheiro público. O cego
menos aventurado é o que não quer ver a realidade.
Depois da Operação Lava Jato (sobretudo), não há mais como negar que
nossa fantasiosa democracia (puramente formal, eleitoral; restando-lhe pouco da
democracia cidadã), ao longo dos anos, foi se transformando numa nefasta
mafiocracia (não havendo outro invólucro melhor para exprimir tão deprimente
conteúdo). Alguns podem se escandalizar, sobretudo os que chafurdam nessa
enlameada e venal mafiocracia, queixando-se de que todos são colocados no mesmo
lamaçal sem a prova final dos delitos apontados. Sim, como dizia o autor do
livro Arte de furtar (p. 52), “não há regra sem exceção. Mas, meta cada um a
mão em sua consciência e achará a prova do que digo: que este mundo é uma
ladroeira ou feira da ladra, em que todos [das bandas podres] chatinam
[negociam] interesses, créditos, honras, vaidades”.
A faxina necessária dessa venalização do mal passa pelo reconhecimento
da inconstitucionalidade das doações empresariais “legais” para candidatos. No
STF já são 6 votos nesse sentido. O mais pronto possível, para se iniciar a
moralização do processo eleitoral brasileiro, impõe-se aniquilar essa
possibilidade de doação empresarial, que se converteu, diga-se de passagem, em
veículo de lavagem das propinas da Petrobras (nesse sentido veja o depoimento
do empresário-colarinho branco Augusto Ribeiro Mendonça, do grupo Setal: “Foram
feitas doações oficiais ao PT a pedido de Renato Duque”, que era o homem de
José Dirceu dentro do esquema).
Ricardo Pessoa (da UTC) confirmou a mesma coisa (fez doações que
ocultavam a propina. Ou seja: usaram a Justiça Eleitoral para promover a
lavagem de capitais sujos). “Todo criminoso deve ter os seus direitos humanos
garantidos. Mas nenhum sistema legal pode servir como garantia da impunidade do
crime” (José Genoíno).
Os que de forma muito melhor poderiam gerir o poder público o odeiam.
Falta-lhes a paixão pelas coisas comunidade, paixão essa que sobra nas piores
pessoas encarregadas de cuidarem daquilo que é de todos. A corrupção no Brasil
se converteu numa loteria sem os riscos do azar ou da sorte. De cada dez
apostas se ganha nove. Com enorme chance de que tudo fique impune.
Todos os
escândalos que aparecem não são senão a ponta de um iceberg, que constitui
risco concreto de fazer sucumbir a democracia, já na iminência de se
transformar numa oclocracia, que é a interferência das massas rebeladas
irracionais na vida pública (não pelas formas ortodoxas, certamente).
Futuro sombrio. A Itália quando passou por um processo de depuração da
vida pública (Operação Mãos Limpas) acabou se encontrando com um mau-caráter,
chamado Silvio Berlusconi. Essa eventualidade não pode ser descartada do nosso
horizonte: em todos os Titanics que estão afundando sempre existem os tiranetes
(pequenos ditadores) que apenas aguardam o momento certo para a elevação por
meio de aclamação popular. O povo, historicamente, sempre desejou heróis que o
substituísse na árdua e pesada tarefa de carregar sobre os ombros os princípios
da ética e da moral.
Luiz Flávio Gomes é professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
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