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quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Crônicas do cotidiano por Tais Luso

Pedro Luso e eu, recebemos o livro mais recente enviado pelo amigo escritor Roberto Gomes, residente em Curitiba. Esse seu último livro contém 15 histórias com um humor refinado, mas picante, estilo próprio do autor. Escolhi 'Essa moça não presta'porque apresenta um tipo de mãe, de filho e de nora igual a muitos casos que conhecemos. Aiaiai... haja harmonia familiar!! Algumas mães quando não morrem de ciúmes, esculhambam com tudo e botam fogo no relacionamento. Mas as vezes existe aquele sexto sentido que até procede.  Mas vejam o resultado... 

Essa moça não presta (conto)

– Eu avisei.
Fez uma pausa, esgrimiu a colher de pau no ar e desafiou:
– Não avisei?
Mergulhou a colher na panela onde fumegava a polenta. Aumentou o tom da voz:
– Não avisei?! - Irritada, exigindo resposta.
– Avisou, tia.
– Pois assim é. A gente avisa, alerta, adverte, cuida, indica, aponta. Não adianta. Que adianta ter mais experiência do que este fedelho? Nada. Filho não houve mãe. Acha que a gente é besta.

Calou-se e, resoluta, voltou a mexer a polenta.
Agora dera para isso, pensava a sobrinha, calculando que aquela era a décima conversa sobre o mesmo assunto. Que conversa que nada. Ela falava e a sobrinha ouvia. Repetia que nem precisava chegar perto daquela sujeita. Era assim que a tratava: sujeita, criatura, desenxabida, boca mole. De longe, ali mesmo da porta da cozinha – olha ela lá na calçada, com aquele jeito molengão – podia apostar que era a própria cascavel. Não a enganava.

– Uma mulher decente pode ter uma bunda daquelas? Perguntou à sobrinha enquanto a nova namorada do filho entrava portão adentro. Não esperou resposta. Disse:
– Pode alguém rebolar assim? Isso não presta. Aposto.
– Imagine, tia, que implicância! A moça é bonita, só isso.

Ela disparou na direção do quarto, deixando no ar a frase que repetiria nos dias seguintes:

– Boniteza é uma coisa. Safadeza é outra.

Mandou dizer que estava na cama, uma dor de cabeça violenta, desculpassem. O filho e a namorada ficaram plantados na sala, diante da prima, que acrescentou desculpas e mentiras.

– Cheguei aqui ela estava pálida, fria, pensei que fosse desmaiar. Foi quando começou a dor de cabeça.

O filho não acreditou naquela encenação. Ao telefone, meia atrás, a mãe o atendera com a voz clara, alegre, lembrando que ele prometera levá-la ao cinema. Quando disse que passaria em casa em seguida, com a namorada, ela tossiu e rosnou:

– Tá.

Desligou o telefone.
Agora, trancada no quarto. Ele bate de leve, tenta abrir a porta. Estava só de combinação, não podia abrir, ela resmungou. Além disso, a dor de cabeça não a deixava em paz, estava até com tonturas. E arrematou:

– Melhor você ir ao cinema com seu novo amor.

Aquele “novo amor” confirmou as suspeitas dele. Não havia nada a fazer. Conhecia a mãe que tinha. Não arredaria pé nem um milímetro. Pois que vá para o inferno, pensou, saindo porta afora com a namorada.

– Apaixonou-se por uma bunda! E oferecida! Gritou, ao abrir a porta do quarto.

O namoro prosseguiu, a namorada foi recebida só três semanas depois, gastas em negociações conduzidas pela prima, pela irmã e pela dona Marianinha, a vizinha. Ela foi fria, dura, mal cumprimentou a namorada do filho. Ficou falando de coisas que só interessavam a ela e ao filho, puxou assuntos antigos, falou de outras namoradas dele, comentou que ele era mesmo um namorador insaciável, já namorara todas as meninas do bairro. Mentira. Aquela era a segunda namorada de sua vida.

– Cheio de amores. Também bonito desse jeito!

Abraçou-se ao filho e o levou e o levou paraver o pé de pêssego no quintal, estava florido. A namorada ficou plantada no meio da sala.
O filho sumiu por quase um mês e voltou para dizer, batendo o pé: ia noivar. A mãe fingiu não ouvir. Ia noivar e, depois casar, acrescentou ele. Ela mordeu os lábios. Antes do final do ano, pode escrever. A mãe trancou-se no quarto.
Dias depois a sobrinha trouxe a notícia. Foi cuidadosa, levou meia hora para dizer a que viera. Já estavam noivos. Ela desmaiou. Caiu como uma tora no meio da cozinha, tremendo, espumando.

– Ah, não! Fez a sobrinha. Assim é demais! Para mim chega!

E deixou-a largada no chão.
Mal ficou sozinha, levantou-se num salto, jurando vingança. Convocou todos os parentes , providenciou uma reunião de família e decretou: casamento, só pisando no meu cadáver!

– Mas por quê? Queriam saber.
– Por quê? Que história é essa de por quê? Já viram o jeito dela? Aquele jeito de andar, aquele rabo alegre, festivo. Aquilo não presta.

O filho marcou casamento para o mês seguinte. Estava decidido. Ia abrir uma confeitaria com as economias que juntara, a noiva o ajudaria no atendimento, não precisava do apoio de ninguém.
Ela assistiu ao casamento sem abrir a boca. Não cumprimentou nem aceitou cumprimentar ninguém. Amarrou a cara e ficou repetindo aos ouvidos da sobrinha:

– É uma descarada. Olha só. Mesmo na igreja não para de rebolar. Essa não me engana!

Casaram. Abriram a confeitaria, que serviria café à tarde e sopa à noite. Gastaram uma fortuna, segundo vieram lhe dizer. Paredes pintadas, lambris, lustres, as janelas pintadas de vermelho. Além do mais, a criatura tinha mania de grandeza.
Ela nem passava por perto, mas sabia de tudo.

– Janela vermelha é coisa de bordel. Só falta uma lampadinha na porte!

Os gastos com a reforma foram muitos, os frequentadores eram poucos, a confeitaria não dava lucro. Meses de sofrimento, anunciando as piores desgraças para aquele casamento.
Quando procurada por dona Marianinha com o pedido do filho, mandou dizer que não emprestava um tostão. Pior quando começaram a aparecer os credores e os comentários.
A sujeita tomava conta de tudo com mão de ferro e fazia tudo errado. Pretextando cuidar dos negócios, saia para ir ao dentista, ao correio, pagar contas. Foi quando pediram empréstimo ao doutor Miguel, o dentista. Não adiantou, até porque a essa altura ela já estava desinteressada do negócio. Mal aparecia para trabalhar. Dores de dente. Ginecologista. Pedir segunda via da carteira de identidade, que perdera não sabia onde.

– Eu não disse? – a mãe estufada de razão.

Alguém a viu num shopping com o Dr Miguel. Deu para chegar em casa tarde da noite – de início apenas cansada, dizendo que visitara uma tia, uma colega de colégio, que estivera presa no trânsito; depois, cheirando a álcool. Era o que se comentava.
Naquela noite ela sonhou que o filho havia sido abandonado pela mulher. Saltou da cama e passou o resto da madrugada aguardando notícias. Olhava para o telefone, andava pela sala.. O marido quis saber o que estava acontecendo. Mandou que ele ficasse quieto, voltasse para a cama. Ela estava preocupada, só isso.
Ali pelas oito da manhã, o telefone tocou. Era Odete, a prima:

– Elvira, tenho uma notícia… - voz cuidadosa: …uma má notícia…
Ela nem esperou que a prima terminasse a frase:
– Já sei. Ela deixou o Juninho.
– Como é que você sabe?
– Ora, Odete, não seja ingênua! E onde está o Juninho?

Odete explicou que ele estava bem, não se preocupasse. Estava apenas desorientado, não sabia o que fazer, pedira que ela desse a notícia com jeito, preocupado, quem sabe a mãe levasse um choque violento.

– Choque? Eu? Estou é feliz da vida! Felicíssima!
E antes de desligar o telefone:
– Aquilo não presta, Odete. Eu avisei.

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Roberto, além de ter sido professor universitário de filosofia, é autor de dezesseis livros entre romances, contos, crônicas, literatura infantil e filosofia - Crítica da Razão Tupiniquim – hoje na 13ª edição.  Recebeu o prêmio Jabuti em 1982 com 'O menino que descobriu o sol'. 

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